O Centro da Fortaleza
Oscar Araripe
Alencar, até premonitoriamente, percebeu esta perda cultural do Ceará. De fato, a busca pelos temas indígenas e a vontade de reanimar os valores morais europeus, arrasados com o massacre da colonização e a pilhagem desenfreada, deram a Alencar, principalmente em Iracema, 140 anos de um sólido fundamento da cultura cearense, a crença num passado cultural, até mítico.
Estranho paese o Ceará. Abunda a água e reina a seca. Tem um solo que quase não filtra e os açudes continuam secando.Riovias cercadas como países privados, com arame farpado.Rios ainda imperenes.Um mausoléu do mausoléu, sem os ossos do homenageado, seco, gemendo e abandonado, em plena Abolição.A arte, coitada, toda concentrada em monopólios retensivos, públicos e privados, um Museu de Arte Contemporânea (sic)...e um povo muito simpático, que adora prestar informações sobre caminhos, rir e amar o Ceará. Só no Ceará seria possível um Tristão Araripe, uma Bárbara de Alencar, um Luiz Gonzaga (pois Exu é Ceará) e um Patativa do Assaré.Ou seja, aqui abunda a Cultura. E, no entanto, onde está a Cultura?
Parece algo perdido, nas ruínas do ido, no mau gosto do vindo. Uma identidade que virou fumaça, implodida em suas referências materiais e imateriais, ao tempo em que acossada pela onda americana, aladrilhada, shopista, devedora de carros luxuosos e apartamentos coveiros de belas casas.Uma gente que ainda buzina muito e diz psiu, ingenuamente.
Grande povo cearense.Suas dunas o livrou dos piratas (por um tempo) e suas largas praias fechou-lhe os caminhos, só agora ameaçadoramente abertos pelos turistas e os fugidos dos tusinames da vida. São ameaças por cima de ameaças. E o Ceará parece perde-se, ainda mais, ao aceitar ser um Estado turístico, de praias, e corpos, quase que tão somente, não fosse um desejo recôndito de Carnaval e tempos novos, de mudanças e modificações, que está no coração e na cabeça de todos, nas necessidades diárias, e que tanto tarda e inferniza a paciência.
Bem, vamos ao símbolo. O centro de Fortaleza. Ou melhor, como dar uma identidade ao Ceará nesta hora avassaladora? Como está é impossível. Só nos restou uma frágil (ainda que de ouro) imaterialidade literária, um amor aos livros, uma vontade de publicar. Creio que muitos acham melhor zerar, ou seja, o que presta permanece e o que não, sai. Restariam belos, antigos e novos edifícios entre amplos jardins e caminhos de boa arte, cultura e entretenimento.Algo mesmo para lembrar. Mas, como conseguir tal proeza? Sem dúvidas, o pressuposto de pessoas capacitadas e, voilà, a eleição dos gestores culturais.
Eis aí um tudo que não é tudo, mas um bom começo e um grande passo.
Pintor e poeta