Discurso de Saudação para Posse no PEN Clube Internacional
Senhoras e senhores, membros ilustres do PEN Clube Internacional, autoridades, colegas artistas, escritores e, sobretudo, aos eminentes Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes, José Afrânio Vilela e Moises Mota da Silva, que hoje ingressam nesta casa de luzes e letras.
Permitam-me começar com uma imagem. Há um século, em Londres, a escritora Catherine Amy Dawson Scott reuniu poetas, ensaístas e novelistas sob a sigla PEN. Ela imaginava um mundo onde a palavra escrita fosse não apenas arte, mas escudo contra a tirania e farol para a dignidade humana. Hoje, ao recebermos três brasileiros cujas vidas são testamentos vivos dessa missão, celebramos mais que uma cerimônia: celebramos a confluência entre justiça, memória e liberdade.
É com imensa honra e inspiração que me dirijo a vocês nesta cerimônia, onde celebramos não apenas a literatura, mas também os valores humanistas que tecem a alma do PEN Clube. Fundado há mais de um século, pelo escritor Claudio de Souza, para unir vozes em defesa da liberdade de expressão e da dignidade humana, este clube acolhe hoje três personalidades cujas trajetórias transcendem as páginas de livros e sentenças judiciais — são homens que transformam palavras em pontes, ideias em ações e justiça em legado.
Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes:
O Jurista que Escreve a Justiça com Tinta de Humanidade
O Ministro Og Fernandes possui uma trajetória que se configura como um verdadeiro épico — uma jornada que une a caneta do jornalista e do cronista à toga do magistrado. De repórter forense no Recife a vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, sua atuação elevou o Direito, não apenas por meio de sentenças emblemáticas, mas também por suas contribuições intelectuais, como a obra Medidas Cautelares no Processo Penal, e por suas palestras sobre ética e transparência, proferidas de Nova York ao interior do Tocantins.
As condecorações que coleciona — da Ordem do Mérito Judiciário Militar ao Troféu Dom Quixote — transcendem o simbolismo das medalhas. São testemunhos concretos de uma vida dedicada a equilibrar a letra da lei com o espírito da compaixão. Ao defender que o “acesso à informação é uma liberdade fundamental”, Og Fernandes ecoa o próprio manifesto do PEN Clube, fazendo de suas sentenças e artigos verdadeiros faróis contra a opressão.
Sua biografia é, em si, um romance de múltiplos capítulos, cada página impregnada de ética, coragem e amor ao Direito. Natural do Recife — berço de Joaquim Nabuco e Manuel Bandeira — iniciou sua carreira como repórter forense, desvendando os bastidores da Justiça nas páginas do Diário de Pernambuco. Mas logo percebeu que sua missão não era apenas relatar as leis, e sim interpretá-las, humanizá-las e aplicá-las com sensibilidade e firmeza.
Como magistrado, sua trajetória foi marcada por realizações pioneiras. Na década de 1980, quando a informática ainda era um mistério para muitos, liderou a modernização do Judiciário pernambucano, antevendo que a tecnologia seria uma poderosa aliada da transparência e da eficiência.
No exercício da magistratura, especialmente como desembargador, trouxe para os tribunais uma sensibilidade rara: a de quem compreende que o Direito Penal vai além dos códigos — ele toca vidas. Sua obra Medidas Cautelares no Processo Penal (2011) influenciou profundamente o debate sobre prisões provisórias, reafirmando um princípio essencial: “a liberdade é regra, não exceção”.
Já no Superior Tribunal de Justiça, suas decisões em temas como lavagem de dinheiro e crimes ambientais repercutiram dentro e fora das cortes. Em 2013, ao palestrar na ONU sobre o “acesso à informação como liberdade fundamental”, posicionou o Brasil como exemplo de uma Justiça comprometida com os direitos humanos.
Contudo, a grandeza de Og Fernandes não se resume às instâncias judiciais. Está também nos gestos que transcendem a toga. Como professor, formou gerações de juristas, ensinando que um juiz deve ser, antes de tudo, um contador de histórias. Tornou-se célebre sua frase dita numa aula na ESMAPE: “Cada processo é um romance inacabado; cabe a nós escrever o final com justiça.”
Como escritor, na obra Vidas no Fórum (2017), deu voz a dramas muitas vezes invisíveis — a mãe que luta pela guarda do filho, o réu em busca de redenção — lembrando-nos de que por trás de cada processo existe um rosto, uma história, um destino.
Ao recebê-lo, o PEN Clube do Brasil não lhe oferece apenas um título: oferece-lhe um palco. Um novo espaço para que sua voz — já ouvida com respeito em tribunais, jornais e universidades — ressoe agora como um vigoroso manifesto em defesa da liberdade de expressão. Bem-vindo a uma casa onde suas sentenças literárias se somarão às jurídicas, ambas escritas com a mesma tinta: a da humanidade.
José Afrânio Vilela:
O Magistrado que Transformou Tribunais em Arenas de Inovação e Fraternidade
O Ministro Afrânio Vilela, filho de Ibiá e cidadão do mundo, tem uma trajetória que também se desenha como um romance — uma narrativa de superação, sabedoria e compromisso com a justiça. Do Banco do Brasil às cortes mineiras e ao Superior Tribunal de Justiça, demonstra que a Justiça pode ser, ao mesmo tempo, técnica e profundamente humana. Seus projetos de gestão judiciária, como a integração da inteligência artificial nos tribunais, revelam que o futuro do Direito está na harmonia entre tecnologia e equidade.
Autor de A Inteligência Artificial na Gestão Processual e membro ativo de diversas academias de letras, personifica a síntese entre tradição e inovação. Em suas palestras sobre “fraternidade no Direito” e em sua incansável defesa de uma “sociedade justa e humanizada”, ressoam os ideais mais caros ao PEN Clube. Afrânio nos recorda que, mesmo nas sentenças mais densas, há espaço para poesia — a poesia da justiça que liberta, inclui e transforma.
Oriundo da terra das montanhas e dos poetas, sua vida é uma ode à sabedoria que nasce do chão, da experiência, da escuta. Formado pela Universidade Federal de Uberlândia, poderia ter seguido o caminho seguro da advocacia no interior. Mas escolheu trilhar uma rota desafiadora, tornando-se uma das figuras mais inovadoras do Judiciário brasileiro contemporâneo.
Sua carreira é um mosaico de conquistas visionárias:
Como juiz em Contagem, nos anos 1990, foi pioneiro na implantação dos primeiros Juizados Especiais de Minas Gerais, demonstrando que a Justiça pode ser célere sem perder profundidade.
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, à frente da Superintendência de Tecnologia da Informação (2012–2018), conduziu uma revolução silenciosa. Seu projeto de “precedentes qualificados”, que aliou inteligência artificial à sistematização da jurisprudência, transformou o TJMG em referência nacional. Mostrou, com clareza, que o Direito do futuro nasce do diálogo entre máquinas e valores éticos.
Desde 2023, no Superior Tribunal de Justiça, preside a Segunda Turma com a serenidade de um mestre zen, conciliando inovação com respeito às tradições do Direito.
Mas sua grandeza, Ministro, não se encerra nas decisões judiciais. Ela se revela nas palavras que ultrapassam os autos e ganham vida na literatura e no pensamento humanista.
Em A Inteligência Artificial na Gestão Processual (2024), alerta com lucidez: “A tecnologia não substitui juízes; aprimora sua capacidade de servir”. Nas academias de letras que integra — de São João del-Rei a Ibiá — defende com firmeza que “o Direito é a mais literária das ciências”, citando Ruy Barbosa e Miguel Reale como faróis.
Em suas palestras sobre “fraternidade no Direito”, ecoa uma máxima que inspira: “Julgar é também educar. Cada sentença é uma aula de cidadania.”
Afrânio Vilela, ao recebê-lo, o PEN Clube do Brasil acolhe não apenas um jurista, mas um pensador — alguém que vê nas leis o traço delicado da poesia e na justiça o exercício contínuo da empatia. Entre tantas distinções, destaca-se a Medalha da Inconfidência, recebida em Ouro Preto, símbolo eloquente dessa fusão entre passado e futuro. Que suas ideias — como as de Tiradentes, que há pouco rememoramos — sigam inspirando revoluções. Desta vez, pacíficas e literárias.
Importante salientar que foi Afrânio Vilela quem deu ao herói Tiradentes um dia de nascimento, ao decidir que o seu batismo na Capela do Pombal era o dia de seu nascimento: 12 de novembro, dia Nacional da Liberdade.
Moises Mota da Silva:
O Guardião das Letras e da Memória Coletiva
Nascido também em Minas Gerais, Moises mantém viva a chama da cultura brasileira. Jornalista por formação e historiador por vocação, sua trajetória é uma sinfonia que harmoniza o rigor da comunicação institucional com a delicadeza da criação literária. À frente da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, ele não apenas preserva a memória local — ele a reinventa. Edita obras como Cada Instante é Uma Canção e organiza exposições que resgatam figuras emblemáticas, como o Procurador de Justiça José Campomizzi Filho.
Seus projetos, como o Conversando Cinema, revelam sua crença no poder pedagógico da arte — uma arte que, em suas palavras, “dinamiza o debate e aproxima academia e sociedade”. Moises é um tecelão de narrativas, alguém que compreende que cada palavra publicada é um ato de resistência. O PEN Clube acolhe em você, caro Moisés, um defensor incansável da diversidade cultural e da memória que nos une como nação.
Mineiro de Itabirito, e também de Conselheiro Lafaiete — por merecida cidadania honorária —, é prova de que as palavras podem ser espelhos e janelas: refletem identidades e abrem horizontes. Sua trajetória é um testemunho de amor à cultura e à educação:
Na Universidade Federal de Ouro Preto, como mediador do projeto Conversando Cinema, uniu telas e salas de aula, demonstrando que “um filme pode ser tão pedagógico quanto um livro didático”.
Na presidência da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete, desde 2018, e como associado efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, desde 2023, editou obras que deram destaque nacional a vozes regionais, como em Cada Instante é Uma Canção (2023).
Como historiador, resgatou jornais centenários de Mariana, revelando que “a imprensa do século XIX já discutia liberdade com a ousadia de Drummond”.
Mas sua grandeza, Moises, não se limita aos livros e à oratória — está também nos gestos que ultrapassam os holofotes:
Ao organizar a exposição José Campomizzi Filho – Um Século de História (2023), para o Ministério Público de Minas Gerais, você não apenas homenageou um homem, mas imortalizou a luta de gerações por educação e justiça social, valorizando o célebre parquet mineiro.
Como servidor público, prova diariamente que gestão e sensibilidade podem — e devem — coexistir. Moises, o PEN Clube recebe em você um verdadeiro guardião de narrativas. Seja nos livros que edita, nas medalhas que conquista — como a Santos Dumont e a João Pinheiro — ou nos encontros que promove, ensina que “memória não é nostalgia; é alicerce para o futuro”
Uma Celebração da Pluralidade
Senhores empossados, o PEN Clube Internacional não lhes oferece apenas um título — oferece-lhes um palco. Um espaço de expressão para que suas vozes ecoem ainda mais alto em defesa da liberdade, da educação e da dignidade humana. Moises Mota, com sua reverência à cultura popular; Afrânio Vilela, com sua visão de um Direito fraterno; e Og Fernandes, com seu compromisso inabalável com a ética jurídica — cada um de vocês traz uma cor singular ao mosaico desta instituição.
Que suas trajetórias, marcadas pelo rigor intelectual e pela sensibilidade social, inspirem novas gerações a enxergar na literatura e na justiça não apenas formas de expressão, mas verdadeiros instrumentos de transformação. A palavra é a mais duradoura das armas. E que as suas, carregadas de experiência, empatia e humanidade, sigam construindo pontes, desarmando conflitos e iluminando caminhos.
Senhores empossados, hoje o PEN Clube Internacional não acolhe apenas três nomes. Acolhe três universos de significados:
Og Fernandes, o juiz-escritor, recorda-nos que “a lei é letra morta sem empatia”.
Afrânio Vilela, o filósofo da Justiça, demonstra que “tecnologia e humanismo podem dançar juntos”.
Moises Mota, o guardião das memórias, revela que “cada cidade, por menor que seja, é um romance coletivo”.
Que essas trajetórias — distintas em forma, mas unidas em essência — continuem a inspirar esta casa a viver e perpetuar seu lema: “A literatura não conhece fronteiras.” Que, juntos, possamos escrever um novo capítulo onde a Justiça seja poesia, a memória seja liberdade, e a palavra, sempre, uma arma de construção massiva.
Muito obrigado.
Oscar de Alencar Araripe